
Empregabilidade de profissionais com deficiência: Brasil é referência mundial, mas podemos ser maior
A cada hora trabalhada, pessoas com deficiência recebem, em média, 12% a menos do que os demais funcionários e funcionárias. O cenário é ainda mais desafiador para as mulheres com deficiência, de acordo com estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2024.
Em países em desenvolvimento (Colômbia, Equador, Peru, Etiópia e outros), a disparidade salarial de gênero entre mulheres e homens com deficiência é de 5%. Já em países desenvolvidos (Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e outros), a diferença salarial é de 6%. Estariam, então, os países economicamente mais vulneráveis na vanguarda da igualdade salarial entre homens e mulheres com deficiência no mercado de trabalho?
A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91) é considerada um marco transformador para a inclusão em nosso país. Ela determina a empresas brasileiras com cem ou mais colaboradores a reserva de vagas para esse público.
É claro que precisamos encontrar mecanismos para fortalecer ainda mais a legislação. Contudo, é inegável que, em três décadas de sua promulgação, alcançamos avanços imensuráveis, como mais de meio milhão de pessoas com deficiência contratadas no mercado formal.
Afirmo, sem medo, que o mundo está com os olhos voltados para as nossas práticas de inclusão. Nos dias 27 e 28 de novembro de 2024, participei da 11.a Conferência da Rede Global de Inclusão de Pessoas com Deficiência, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada na sede das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça.
Anualmente, o evento reúne as principais organizações mundiais comprometidas em transformar o ambiente corporativo em um espaço mais inclusivo. Essa foi a terceira vez consecutiva que tive a honra de representar o Brasil como pessoa com deficiência e liderança empresarial, por meio da Rede Empresarial de Inclusão Social (Reis).
Durante dois dias intensos de debates, com a participação de representantes de mais de 40 países, discutimos temas cruciais para a comunidade internacional de pessoas com deficiência – da busca por equidade salarial entre profissionais com e sem deficiência até
o reconhecimento dessa comunidade como nicho valioso para o aquecimento da economia mundial. Nosso foco principal foi debater soluções que rompam as barreiras que ainda mantêm esses profissionais à margem.
Enquanto empresas norte-americanas, como o Walmart, nos Estados Unidos, estão abandonando as políticas de diversidade, equidade e inclusão, os estabelecimentos associados à Reis, no Brasil, estão acelerando o letramento de suas equipes internas e implementando ações para ampliar a contratação de talentos com deficiência em suas unidades regionais.
O curioso é que o Walmart, quando estava no Brasil, foi a primeira organização que, sob minha liderança, cumpriu a Lei de Cotas no País. Em apenas 18 meses, ultrapassamos mais de 4 mil colaboradores com deficiência em todos os níveis. A partir de então, o case do Walmart Brasil se tornou a maior experiência global de inclusão.
É triste ver o retrocesso acontecer por um movimento político novamente polarizado. Quem perde, mais uma vez, são as pessoas com deficiência. Por isso, precisamos seguir em frente e nos emancipar de vez da visão americana, pois temos outro contexto histórico e cultural. Mergulhar nas necessidades das nossas pessoas é o que precisamos fazer agora.
Os avanços da Reis são fruto de um trabalho árduo de mais de 12 anos de existência. Estamos encerrando 2024 com 62 empresas de diversos setores associadas à nossa rede. Em segmentos variados, todas compartilham o mesmo objetivo: ampliar a empregabilidade formal de pessoas com deficiência no Brasil.
Como um homem com deficiência, tive oportunidades que me permitiram construir uma trajetória profissional sólida em grandes empresas no Brasil, alcançando cargos da alta administração. Entretanto, sou uma exceção.
Ser uma das únicas pessoas com deficiência nos espaços de poder corporativo torna a jornada mais árdua e solitária. Assim como os atletas paralímpicos, quero continuar subindo ao pódio, mas com a certeza de que, ao olhar para os lados, verei meus pares vencendo comigo.
Faltando menos de 12 meses para a 30.a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30) – que será realizada pela primeira vez no coração da Amazônia, em Belém, no Pará –, nós, pessoas com deficiência, queremos estar lá. Queremos liderar as discussões que atravessam nossas vidas.
Dados da OIT mostram que a transição para uma economia de baixo carbono pode gerar até 103 milhões de novos empregos até 2030 e eliminar outros 78 milhões, resultando em um saldo positivo de 25 milhões.
E, nesse saldo positivo, quantas vagas serão preenchidas por talentos com deficiência? Não podemos mais debater mudanças climáticas sem considerar a nossa existência.
A meta da Reis é dobrar o número de pessoas com deficiência formalmente contratadas no Brasil nos próximos cinco anos. Somos uma referência mundial? Sem dúvida. Mas podemos ser maiores e melhores.